segunda-feira, 2 de julho de 2012

Noite de Histórias no Recife


Noite de Histórias no Recife

Por Claudia Lins
Teatro, cantigas e brinquedos populares convidam a uma viagem pelos quintais da infância
Vendas nos olhos, aromas e sons, ajudam a recriar memórias afetivas da infância
É noite de quarta-feira, véspera da véspera do dia de São Pedro, uma data celebrada pelo povo nordestino com fogueiras, forró e muitos encontros. Do lado de fora do Teatro Joaquim Cardozo, no coração do Recife, chove sem parar e o pessoal do projeto Noite de Histórias teme que a chuva espante o público. Diz a lenda que chuva forte assim perto do aniversário do santo, é sinal de que lá em cima, no céu, está acontecendo uma grande faxina para receber os convidados da festa…
Verdade ou história de pescador, aqui em baixo, o mau tempo não conseguiu assustar a platéia. Aous poucos, vão chegando os grupos, animados para ouvir boas tramas.
Logo na entrada do Teatro, brinquedos populares saudavam os convidados. Os olhos das crianças brilhavam ao ver o colorido das petecas, dos manés-gostosos, bilboquês e das fitas entrelaçadas dos baragandãos…
Nem os adultos resistiram ao que viram e fizeram fila para brincar também. A verdade é que essa gente veio em busca não apenas de ouvir histórias, mas de compartilhar emoções distantes. Vieram para reviver lembranças de um tempo alegre e cheio de sonhos: o tempo de voltar a ser criança.
Cia Palavras Andarilhas: Carminha Moraes, Fátima Pinheiro e Lenice Gomes, equipe Noite de Histórias
Brincando nos quintais
E foi assim, embalados por cantigas e brincadeiras da trupe do Quintal, que gente de todas as idades, se permitiu vivenciar um reencontro com a parte mais lúdica de suas vidas: a infância.
“Fechem os olhos e sintam o aroma. Lembrem-se desse tempo feliz. Esse é o cheiro dos quintais da nossa infância”, anunciam os anfitriões da noite.
Gotas de alfazema sobre as mãos da platéia simbolizavam o passaporte para embarcar num túnel do tempo e seguir viagem pelo mundo das histórias afetivas.
Já confortáveis, no escurinho do teatro, mulheres, homens e meninos, os brincantes da leitura, aos poucos iam se entregando as surpresas sensoriais da noite, se aventurando por dinâmicas que despertam sentimentos e a imaginação.
Imaginando histórias ditadas pelos sentidos
Vendas nos olhos bloquearam a realidade e o que veio a seguir, não se pode traduzir em palavras.
Sons, aromas, gestos, recordações… Situações tiradas do baú das memórias para dar vida a novas e velhas histórias.
Ao abrir os olhos, cada um é convidado a contar o que viu, ouviu, o que sentiu. E as narrativas dessa viagem particular aos recantos das próprias histórias soam como uma orquestra de ritmos coloridos e diversos.
Aviões sobrevoando nuvens de mosquitos, aventureiros desbravando perigos na noite… Cada um contou o que sentiu, ou simplesmente agradeceu pelo prazer de mergulhar na história que a própria mente criou.
“Muito bom, divertido e sensacional. Quero voltar aqui muitas outras vezes”, disse o menino Jefferson Lucas, de 10 anos, empolgado com a experiência vivida no palco . Ele e outras crianças da Biblioteca Comunitária Caranguejo Tabaiares, na Ilha do Retiro, integravam a platéia do último Noite de Histórias, dia 27 de julho.
“Voltei aos quintais de quando era menina, com conversas ao redor das fogueiras, florestas cheias de bichos misteriosos”, descreve outra participante da experiência sensorial.
A escritora Lenice Gomes compartilhando memórias de sua infância
A vida sem o lúdico, o que seria?
Compartilhando com o público lembranças dos quintais de sua infância, a escritora pernambucana Lenice Gomes cantou trava-línguasdançou coco de roda e espalhou tangolangomangos pelo ar…
“Sem o lúdico, a vida seria muito vazia”brinca a mestre em embaralhar palavras divertidas, carregadas de sentimentos e da vivacidade da cultura popular.
Cia das Palavras Andarilhas e Noite de Histórias
Movimento literário e teatral, idealizado pela pernambucana Lenice Gomes, o Noite de Histórias surgiu há três anos e conta com a parceria da Universidade Federal de Pernambuco, que cede o Teatro Joaquim Cardozo para a realização das sessões de contação de histórias, uma vez por mês. As apresentações são gratuitas e abertas a gente de todas as idades.
Tudo começou por ousadia de Lenice, uma apaixonada pelo universo do teatro e da literatura: “As noites de histórias surgiram de conversas, de cochichos, do sonho de unir teatro e literatura no palco do Joaquim Cardozo. O projeto cresceu, a equipe aumentou e aqui estamos”.
Hoje Lenice conta com uma trupe que sonha junto. Gente como Fátima Pinheiro, médica e contadora, que coordena o projeto Arte Mais e a contadora de histórias Carminha Moraes. A Cia de Palavras Andarilhas é integrada ainda por outros contadores e profissionais unidos pelo encantamento de promover histórias.
Educadores, atores, estudantes universitários e crianças, o público do Noite de Histórias é tão diverso quanto os temas de cada sessão. E cada noite é uma surpresa, que os organizadores só divulgam próximo a data de realização do evento.
Cantigas e coco de roda embalaram a noite
Um olhar lúdico sobre o Quintal
Dessa vez, os convidados para icendiar a noite com histórias, foram o ator Charlon Cabral e a trupe do Ponto de Cultura de Limoeiro, cidade do interior de Pernambuco, onde é desenvolvido o projeto “Um Olhar lúdico sobre o Quintal”.
A iniciativa surgiu de uma colônia de férias, com 30 crianças do Galpão do Ponto de Cultura do município e já percorreu as cidades de Feira de Santana, na Bahia, Aracati, no Ceará, e agora Recife, capital de Pernambuco.
Nossa ideia é provocar as pessoas a pensarem nos quintais de sua infância, que brinquem, imaginem e se divirtam”, convida Charlon.
Para a noite do Joaquim Cardozo, o grupo de Limoeiro trouxe o colorido de lenços e objetos inanimados, num cenário propositadamente criado para sacudir a imaginação. A platéia desenhou, imaginou e dançou histórias ao som da trupe. Na pisada do coco de roda,  ao ritmo do pandeiro encantado de Marcos, atores e público se misturaram transformando a contação numa grande e divertida brincadeira de criança.
A noite terminou com gostinho de quero mais, como aliás, terminam todas as boas histórias, que nos parecem despertar para um querer sem fim. E a gente daquela platéia, aquecida pela alegria de tantas memórias afetivas, nem se lembrou da chuva fria que caía lá fora. Em nossas melhores lembranças restou o calor da cultura popular, crepitando como inesquecível encontro ao redor das fogueiras de São Pedro, já acesas em nossos corações, bem antes do aniversário do santo.
E tudo que contei aqui, não foi história de pescador!
Crianças da Biblioteca Comunitária Caranguejo Tabaiares

Uma noite de surpresas com foco no quintal da nossa infância


A noite desta segunda (18) foi marcada pelo encerramento do Projeto Um olhar lúdico sobre o quintal e entrega de certificados aos alunos da oficina que aprenderam de tudo um pouco sobre a arte de representar.


A apresentação começou com o público sendo levado para dentro do Galpão em plena escuridão e apenas lanternas coloridas davam o tom de luminosidade. No corredor havia fotos que marcavam os momentos do projeto. Nas fotografias cenas retratadas do cotidiano dos alunos, onde o olhar do professor demonstrava o quanto era importante este elo entre mestre e o aprendiz. Fotos de alunos pintando também compuseram o cenário que foi retratado pelas lentes de Helder Santana. Diferentemente do habitual os convidados foram entrando no galpão pelo camarim, isso se deu como forma de mostrar o que há por trás da arte e do artista. Ao entrar no mundo lúdico cada um que sentasse ouvia uma contação de história e nesta contação os expectadores eram remetidos a um universo totalmente imaginário, onde o passado era posto a tona e uma infância era arremetida fazendo as pessoas lembrar-se de um quintal, mas não qualquer quintal e sim o seu quintal de infância, onde nele cabiam todas as brincadeiras e heróis imaginários. Na parede círculos pintados pela artista plástica Roseli Alves.
O público viajou e quem fechou os olhos pode lembra-se de um tempo gostoso que talvez pelo corre-corre da vida tenha ficado no esquecimento. O som do violão dava o tom de uma nostalgia, nostalgia

essa que hoje poderia ser mais presente se não fossemos tão preconceituosos ao ponto de não nos deixamos viver infância. Cada um dentro de si ainda tem seu quintal intacto e só falta aflorá-lo para que a criança adormecida volte a ressurgir dentro de cada um. As brincadeiras foram mostradas e os bons tempos da rua tomaram conta do espetáculo; Bola de gude, esconde-esconde, monstros, pega-pega, balanço e tantas outras brincadeiras reinaram em uma imaginação fértil que por alguns instantes se desligou do trabalho, do mundo e voltou a uma época onde os bons amigos serão sempre bons e a falsidade não existia. Houve também a contação da história do barquinho Pingo e sua amiga borboleta que o libertou e o tornou livre para alçar vôos nunca antes por ele alçado. O projeto contou com alunos de Limoeiro e da Companhia de Teatro Manoel Ferreira da Cidade de Orobó.

Ao final da apresentação o arte-educador Fábio Andre falou sobre o projeto Um Olhar Lúdico Sobre o Quintal e relatou do prazer que teve em receber em sua “casa” tal projeto. Charlon Cabral, o idealizador do curso, agradeceu a todos os presentes e falou sobre seu “quintal” e contou de sua felicidade em ver e ter jovens encenando e criando a partir das aulas uma peça que encantou a todos. Jadenilson Gomes, em seu depoimento, falou da sabedoria e do aprendizado que os alunos tiveram e levaram para todo o sempre. O que eles receberam é apenas um pedaço de papel e que dependera de cada um fazer dele o fio da meada para o sucesso. Os alunos receberam seus certificados e ouviram com o coração todas as palavras dita pelos professores. O ator, Chico Domingues, em um comentário iluminado emocionou a todos com poemas que sempre levam todos a refletirem sobre este quintal que ainda está vivo em cada um de nós. Para encerra com chave de ouro uma linda poesia escrita por dois alunos do curso fez a platéia ovacionar o ator Charlon Cabral. Alunos receberam seus certificados e cada um foi recepcionado por uma pessoa escolhida pela equipe do projeto.
Pessoas que contribuiram com o projeto também foram lembradas e uma delas foi a musisita Silvana Nery. No final de tudo mesmo o Galpão recebeu uma singela homenagem feita por todos os alunos do curso. Ao sair do teatro será que vamos resgatar nosso “quintal” que está adormecido? Depende apenas de nós fazer dele vivo e cada dia radiante em nossos corações. Deixe seu “Quintal Lúdico” florescer e aflorar para que ele não morra sufocado pelo mundo corrido que a cada vez tenta matar a criança que ainda adormece em nós e apenas espera um momento, momento certo para desabrochar. Ainda teve tempo de ver a exposição de Helder Santana com fotos e momentos únicos de um curso marcado pelo laço de amizade. Nada melhor que encerar uma noite ouvindo angélica e sua voz angelical